segunda-feira, 27 de julho de 2015

Manifesto de denúncia de má conduta da Comissão Organizadora da XII CMS do Rio de Janeiro


MANIFESTO:
DENÚNCIA CONTRA O CARÁTER ANTIDEMOCRÁTICO, AUTORITÁRIO E BUROCRÁTICO QUE OCORREU EM TODO O PROCESSO DA XII CMS DO RIO DE JANEIRO

Em defesa da participação popular e controle social nas Conferências de Saúde 
    
A XII Conferência Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, processo iniciado em maio com a realização das Conferências Distritais, terminou de forma melancólica na plenária municipal ocorrida nos dias 17, 18 e 19 de julho de 2015. Todo o processo foi marcado pelo "controle" do controle social e da participação popular por parte da gestão municipal. 

- Não houve divulgação ampla para a população, para trabalhadores e movimentos sociais, apostando no esvaziamento e numa conferência apenas “para conselheiros”. 

- Os delegados dos profissionais de unidades de Saúde foram tirados sem observância à impessoalidade e ao anonimato da votação, com relatos de constrangimento dos trabalhadores no momento do voto. As OSs interferiram na escolha de delegados trabalhadores em unidades por elas gerenciadas. Muitos delegados ligados à gestão cooptados por artifícios monetários, como a distribuição de DAS, ou co-pagamento pelas OSs. Tudo para garantir uma correlação de forças que fosse amplamente favorável para manutenção do status quo.

- A gestão procurou intervir na composição das mesas das Conferências Distritais, para que discussão não fosse politizada e fossem resumidas tão somente ao elogio da atual política de Saúde, e a desafios genéricos relacionadas à gestão (entendida como gerência) e assistência. Questões colocadas no âmbito da Política de Saúde, em seu sentido mais amplo, passavam ao largo, e teve casos de palestrantes sendo “desconvidados”, solicitados a maneirar nas análises ou transferidos de mesa.

- Nos grupos, o direito a expressão foi muitas vezes restringido. Somente os delegados tinham direito a se manifestar. Qualquer fala era calada, e utilizado o regimento para justificar o autoritarismo.

A culminância deste processo antidemocrático, autoritário e burocrático veio ocorrer coerentemente na Plenária Municipal da Conferência. Começando pelo despropósito de ser realizada no Centro de Convenções SulAmérica, do mesmo grupo empresarial que vende planos e seguros de saúde, contradição flagrante com a luta por um SUS público.  A divulgação do evento foi praticamente nenhuma, e nem mesmo delegados tinham informações mínimas. 

Quando solicitados esclarecimentos, as CAPs não sabiam o que ocorreria, e nem os Conselhos Distritais sabiam a programação da Conferência. Não houve divulgação prévia do regimento da conferência e muito menos dos relatórios das Conferências distritais e do relatório de síntese que serviria para os trabalhos nos Grupos e Plenárias.

Abriram pouquíssimas inscrições para observadores, alegando que estavam constrangidos pela estrutura, mesmo quando se via salas enormes que caberiam até o dobro dos presentes. Dezenas de usuários, trabalhadores e militantes de movimentos sociais, crentes que estavam num espaço democrático e que poderiam participar das discussões sobre a realidade atual e o futuro do SUS, foram barrados pelos critérios burocráticos e autoritários da Comissão Organizadora. 

Na Plenária Final, num auditório que cabiam mais de 2000 pessoas, impediram a entrada de cidadãos que estavam ali para assistir o processo que deliberaria sobre políticas que vai impactar seu cotidiano.

Enfim, em lugar de se valorizar e garantir a participação popular - permitindo o maior número possível de pessoas na Conferência, e aceitando a manifestação da diversidade de visões e posicionamentos que os sujeitos sociais têm sobre a política de Saúde - a gestão municipal e a comissão organizadora gastaram boa parte das suas energias para controlar de forma arbitrária todo o processo da Conferência.

Essa Conferência Municipal foi toda organizada para manter a atual política de Saúde, e não para discutir o futuro do SUS na cidade e no país. Num momento onde o SUS como um todo está em risco, a visão pequena e isolada foi preponderante, com todo o processo preparado para legitimar a privatização; a implantação de Saúde da Família sem médicos e sem vínculo com os usuários; a focalização da porta de entrada para que a classe média não consiga se livrar de pagar planos privados de saúde; a falta de diálogo com os trabalhadores sobre seu processo de trabalho, com imposição de metas que os alienam, ao mesmo tempo com frequentes casos de assédio moral e perseguições àqueles que ousam questionar; de criminalização dos movimentos sociais que se manifestam contrários a desmandos da atual gestão; e o  amortecimento, cooptação e constrangimento da participação popular e a falta de respeito às deliberações das Conferências de Saúde. 

Tudo isso se contrapõe à diretriz política da XV Conferência Nacional de Saúde de que em todo o processo ascendente das Conferências de Saúde exista a ampliação da participação e do controle social como meio de garantir o cumprimento da Constituição Federal de 1988, que afirma ser a saúde um direito de todos e dever do Estado. Nesse sentido cabe destacar do documento orientador da XV Conferência Nacional de Saúde: 

“O Sistema Único de Saúde (SUS) [...] fruto da luta do povo brasileiro [...] tem sofrido ataques de setores conservadores e do mercado visando a sua destruição. [...] É preciso impedir a desconstitucionalização do SUS!”  e “[...] reafirmar o papel das conferências como processo político-mobilizador de caráter reflexivo, avaliativo e propositivo não devendo ser visto meramente como um evento". 

Essa diretriz política propõe que a expansão da participação nas Conferências de Saúde se dê por meio de diversas iniciativas, como Conferências Livres; a atenção em garantir critérios de equidade, seja de gênero, de diversidade sexual, étnico-raciais, de diversidade territorial - urbano, rural, floresta etc. -, e também das entidades, coletivos e movimentos sociais; e a ampliação da participação de grupos organizados e da população como um todo. Nada disso combina com os encaminhamentos dados pela comissão organizadora para a XII Conferência Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: 

- Não garantiu a transparência e a participação no processo de construção da Conferência, tendo tido ampla interferência da Gestão municipal junto às Comissões Organizadoras distritais, intrometendo amplamente na organização das Conferências e limitando as possibilidades de outros sujeitos individuais e coletivos se expressarem de forma efetiva na definição dos rumos políticos da conferência;

- Não considerou a adoção de estratégia que garantisse maior democratização da participação, como o fomento a realização de conferências livres e debates abertos preparatórios, e a abertura à participação de novas entidades e movimentos populares, da saúde ou de recorte intersetorial. Feriu até mesmo o que estava previsto no Artigo 23 do Regimento da XII Conferência Municipal de Saúde, que refere que: “Em atenção à orientação do Conselho Nacional de Saúde de que às Conferências devem mobilizar e estabelecer diálogo com a sociedade civil acerca do direito à saúde e em defesa do SUS, incluindo novos sujeitos e fortalecendo a participação dos que já atuam nas esferas públicas de saúde, estabelece-se: I -todas as propostas oriundas dos diferentes segmentos da sociedade civil deverão ser encaminhadas, para a Comissão Organizadora da Conferência Distrital de Saúde respectiva [...]; VI- o Conselho Municipal de Saúde poderá receber propostas de instituições e segmentos da sociedade que não tenham interface direta com as esferas públicas locais [...]. Essa abertura para propostas vindas da sociedade civil, mesmo regimentalmente previstas, só teria sentido se fosse divulgada amplamente, porém foi restringido tão somente ao lançamento de uma notinha nas redes sociais;

- Não divulgou o número e nome de delegados presentes na Plenária Municipal nem nas Distritais, e tampouco garantiu o critério de paridade entre segmentos de usuários, trabalhadores e gestores nas votações e composição dos grupos. Era visível o constrangimento de muitos delegados representantes de trabalhadores em terem que ficar calados e votar nas propostas dos seus “chefes” presentes nos grupos e Plenária. Muitos grupos tinham poucos representantes dos usuários, e na plenária final, quando questionado sobre se existia paridade entre os presentes, a Comissão Organizadora que dirigia os trabalhos não permitiu a contagem e verificação. Em muitas Conferências Distritais, além da falta de paridade, não foi respeitado nem um quorum mínimo nas plenárias finais, em alguns casos com amplo esvaziamento e falta de representatividade e legitimidade;

- Definiu sem nenhuma transparência os critérios adotados para inscrições de observadores da Plenária Municipal. O regimento da Conferência definiu que o número de observadores deveria ser de até 1/3 (um terço) do número de delegados, condicionado às condições estruturais. Considerando que foram credenciados 373 delegados, o número de observadores poderiam ser de 124 militantes da Saúde, ou seja, a conferência poderia ter mais 64 observadores além dos 60 que foram autorizados pela Comissão Organizadora. Questionada, a Comissão Organizadora alegava que não tinha estrutura para mais observadores. Porém, era flagrantemente constatado pelos presentes que em todas as salas sobrou espaço, o que seria suficiente para a adesão de todos os que estavam presentes no momento do credenciamento e reivindicavam o direito de participar da conferência na condição de observador. Alegavam também que estrutura não se referia somente a espaço, mas a alimentação, limpeza, e todo tipo de argumentação facilmente contornável se houvesse de fato respeito ao princípio doutrinário da participação social no SUS, como está assegurado na Constituição e nas Leis Orgânicas da Saúde. Todos os argumentos eram para criar barreiras e impedimentos, quando deveria ser o contrário, dar mais condições para mais participação. Condicionar a participação ao estrutural é um escândalo! Na 8ª Conferência Nacional, marco da participação popular na Saúde, chegavam caravanas de todo canto do país querendo participar, e conseguiram, pois foram recebidos com festa, como ativistas que queriam participar daquele momento histórico;

- Além dos critérios restritivos, feriram o que estava divulgado na programação, de que o credenciamento de observadores seria iniciado às 15h00. Às 14h15 as senhas foram distribuídas, sem critérios e de forma desorganizada, num verdadeiro “empurra-empurra”. Pessoas que chegavam do almoço depois desse horário nem sequer puderam entrar na tola disputa;

- Embora se saiba que aos observadores é vetado o voto, foi instituída no próprio Regimento a regra de que os observadores não teriam direito a qualquer fala, o que não corresponde às práticas de Conferências anteriores;

- No último dia da Conferência foi impedida a entrada de várias pessoas que desejavam assistir a plenária final. Esse impedimento aconteceu independentemente da área do auditório destinada aos observadores estar quase vazia;

Destacamos que diversas lideranças legítimas dos movimentos sociais que tem construído sistematicamente a participação nas lutas pela Saúde Pública e de qualidade no Rio de Janeiro foram desrespeitadas no processo autoritário de alijamento da participação nas decisões consolidadas no último dia da XII Conferência Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

Repudiamos os fatos descritos neste manifesto e reivindicamos que sejam respeitados os princípios do SUS que valorizam de inúmeras formas a participação popular para a concretização dessa política pública, principalmente por meio da garantia da participação popular nas Conferências de Saúde.

Não podemos aceitar Conferências como manipulação de políticas e políticos, com rebaixamento da participação popular tão somente à realização de eventos fechados e burocráticos que tem o propósito apenas de cumprir as formalidades previstas nas legislações do SUS.

Fazemos essa denúncia para evitar que fatos como estes continuem a acontecer, pois saúde se produz com a efetiva participação das pessoas no exercício pleno da cidadania na defesa dos direitos coletivos!

FÓRUM DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO
FRENTE NACIONAL CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE
Julho de 2015

2 comentários:

  1. O CMS e os Conselhos Distritais trabalham no sentido de ajudar os gestores na Privatização da Saúde, ora a maioria dos conselheiros hoje estarem empregados em OSs ou outros. Participei da AP1 e não havia numero suficiente de profissionais de
    saúde. Como membro titular da Cist/SMSDC não me foi enviado convite motivo pelo
    qual não compareci.

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  2. Parabenizo à direção dos dois Forum pela iniciativa
    A lutra continua

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