domingo, 22 de setembro de 2013

PEC das terceirizações segue para o Plenário da Câmara

19/09/2013
Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 22/09/2013

Projeto, que deve ser votado em breve, permite terceirizações de todas as áreas e atingirá mais de 12 milhões de trabalhadores.
Por Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz

Divisor de opiniões entre empregados e empregadores, o Projeto de Lei 4330/2004, que esteve em debate na Comissão Geral da Câmara dos Deputados nesta última quarta-feira, dia 18 de setembro, e que, segundo o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves, irá para votação em plenário ‘em breve', tem como intuito regulamentar a terceirização no Brasil. Atualmente, o único texto que aborda o assunto é a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de 1993, que permite a terceirização de determinadas atividades, consideradas atividades-meio, além de contratos temporários, que já contavam com uma previsão legal, a Lei nº 6.019/1974.

Fonte: coblabrecha.com.ar/

Ao longo destes exatos vinte anos de publicação da Súmula 331, diversos setores têm usado esta publicação para terceirizar as atividades consideradas meio - que estão enquadradas os trabalhadores de limpeza, conservação e vigilância - ou aqueles em caráter emergencial. Mas, com uma realidade de 12 milhões de trabalhadores terceirizados, estas contratações têm sido realizadas em outros cenários, e muitos trabalhadores estão sendo contratados de maneira ilegal. De acordo com o deputado Sandro Mabel (PMDB/GO), autor do projeto original, que está há quase uma década em tramitação, vem regulamentar esta realidade. Por conta de, desde sua origem, causar divergências que interromperam o processo da tramitação do projeto, o deputado Arthur Oliveira Maia (PMDB-BA), relator do projeto, apresentou um substitutivo a este em agosto, mas a redação continua sendo alvo de críticas pelas centrais sindicais, trabalhadores, militantes e pesquisadores da área do trabalho.

O substitutivo do projeto que está em tramitação ainda apresenta pontos polêmicos como a responsabilidade da empresa contratante em relação às obrigações trabalhistas, podendo ser solidária - quando a responsabilidade sobre os direitos do trabalhador é compartilhada pela empresa contratante e a empresa contratada, - e subsidiária - em que quem contrata o serviço passa a ser responsável pelos direitos, se esgotados os bens da empresa terceirizada. O projeto, no entanto, não estabelece critérios para a escolha de uma ou outra. O texto original apresentado por Sandro Mabel anteriormente não dá essa opção, estabelecendo que todas as contratações de terceirizados devem ser regidas apenas pela responsabilidade subsidiária; já as centrais sindicais defendem a solidária. 


Outro ponto que mereceu destaque foi a questão da contratação das atividades-meio e atividades-fim. São consideradas atividades-meio aquelas não relacionadas ao trabalho direto da empresa. No único documento que trata das terceirizações. estas atividades estão detalhadamente explícitas como as de segurança, limpeza e conservação. No substitutivo apresentado por Arthur Maia todas as atividades podem ser terceirizadas, desde que por empresas especializadas.

O deputado Sandro Mabel diz que esta categorização de atividade-meio e atividade-fim são imprecisas e que não ajudam a proteger o trabalhador. "O que temos que nos preocupar é com a especialização da empresa, se o empregado é especializado e preparado para aquela função. O que acontece hoje é que uma mesma empresa oferece pessoal da limpeza, professor e jornalista. Isso não está certo", explicou o deputado.

Já o representante da Central Sindical e Popular Conlutas, Luis Carlos Prates, entende que este PL visa a um objetivo econômico. "O que eles querem é reduzir os custos das empresas. Para isso, levantam essa ideologia da especialização. As empresas, por exemplo, que contratam o serviço de telemarketing terceirizado não estão atrás do melhor serviço, e sim, de pagar menos", explica.

Para a secretária de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Maria das Graças Costa, as questões vão além da especialização. "As atividades-fim são o que chamamos de essência da empresa. Hoje não temos a legislação, mas temos tido grandes lutas contra aqueles que infringiram a Súmula. O que os empresários querem é fugir disso, porque rebaixam muito o contrato de trabalho quando terceirizam o serviço. E atingindo estas atividades essenciais enfraquecem a luta dos trabalhadores. Esta lei, além de não proteger todos os que já são terceirizados, vai abrir para mais terceirização dos 44 milhões de trabalhadores do mercado formal", reflete.

De acordo com a Maria das Graças, a CUT tem uma posição contrária e fechada sobre o PL desde quando ele foi criado. Neste mesmo tempo foi criado um Grupo de Trabalho na CUT para estudar a terceirização no Brasil e a estratégia para derrubar este projeto. "O PL não garante a igualdade de direitos. Na prática a terceirização só tem servido para rebaixamento de salários, de benefícios, arriscando mais a vida dos trabalhadores, tanto no adoecimento quanto nos acidentes de trabalho", explica.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Braga explica que as terceirizações fazem parte da estratégia de acumulação pós-fordista financeirizada, - modelo de acumulação capitalista atual - que transferiu todo o ônus das relações empresariais às flutuações do mercado para os trabalhadores. "A realidade atual é refletida com mais terceirização, flexibilização, rotatividade e adoecimento dos trabalhadores. O que vemos hoje é que, embora haja mais trabalhos formais, existem piores condições de trabalho. Não é à toa que no ano passado tivemos uma das maiores greves da história do país", informou. 

Um dos ganhos já conquistados pelas centrais sindicais ao longo da tramitação do projeto foi a retirada das empresas de administração pública direta, autárquica e fundacional. Agora o projeto vale apenas para as empresas privadas, empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias e controladas, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Luta dos trabalhadores

"Podemos pegar o exemplo do bancário, que é uma categoria reconhecida nacionalmente como forte, que tem sua convenção coletiva, com direitos garantidos e, inclusive, conta com uma campanha salarial unificada e tantas outras conquistas. Isso é a essência do banco, a atividade-fim. Quem não é: o pessoal da limpeza, da conservação, que não são incluídos nas negociações coletivas dos bancários", exemplifica Maria das Graças e emenda: "E o que significa terceirizar tudo? Vai acontecer no Brasil o que aconteceu no México: só o alto escalão é considerado bancário, as demais atividades, como atendimento no caixa, negociações com clientes, entre outras funções, são realizadas por terceirizados. No caso mexicano, muitas pessoas foram demitidas e foram recontratadas como terceirizadas ou pessoas jurídicas, com salários menores, sem benefícios e sem força de negociação", lembrou.

Carlos Prates, da Conlutas, concorda com Maria das Graças e completa que o enfraquecimento das classes é o enfraquecimento dos direitos e da identidade do trabalhador. "Existe a legislação trabalhista e as convenções coletivas de trabalho, além das próprias categorias que, ao longo da vida de lutas, conquistaram benefícios específicos, além dos benefícios oferecidos por parte da empresa. Quando um trabalhador é terceirizado, ele fica à margem de todos esses direitos. Eles passam a não ser mais trabalhadores da categoria principal daquele empresa, não pertencem mais àquele grupo", explica.

O professor Ruy Braga já traçou o perfil do trabalhador que encontra-se na situação de terceirizado. De acordo com ele, este trabalhador é jovem, em sua maioria não-branco, mulher, com baixa escolaridade e que ganha até 1,5 salário. "A maior parte abriga empregos menos qualificados e com alta rotatividade, muito marcada pela auto-demissão", explica e acrescenta: "Vale lembrar que neste mesmo cenário todas as categorias nos últimos anos tiveram ganhos significativos e que houve uma desconcentração de renda importante dos que vivem do trabalho, mas, ao mesmo tempo, toda vez que um trabalhador é demitido, ele é recontratado por um salário menor e com vínculos mais precários", informa.

Ruy Braga lembra que nos anos de 2011 e 2012 as greves foram concentradas no setor privado, diferentemente de outros anos, em que predominaram greves no setor público. "Os trabalhadores ainda hoje brigam por alimentação, reajuste salarial, assistência médica, atraso de salário e condições de trabalho. Estas bandeiras ainda têm que ser levantadas nos tempos atuais, mesmo com a nossa legislação trabalhista sendo bem objetiva", informa Ruy.

Terceirização na Saúde

Na área da Saúde, a terceirização já é uma das principais pautas dos trabalhadores. As mais recentes formas de terceirização que vêm sendo combatidas são os novos modelos de gestão da saúde com as Organizações Sociais (OSs), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).

De acordo com um documento desenvolvido pela Secretaria de Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, aproximadamente 800 mil trabalhadores do setor, equivalente a 40% do total da força de trabalho, são contratados por modalidades precarizadas de trabalho, que em muitos casos são possibilitadas pela terceirização, como cooperativas, sistemas de bolsas de trabalho, contratos temporários e de prestação de serviço.

Forças de apoio e contrárias

Diversas entidades se posicionaram em relação ao PL. A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), por exemplo, se colocou contra o projeto, argumentando que a terceirização é uma prática que rompe com a rede de proteção trabalhista consolidada pela Constituição Federal. "O projeto é uma grave ameaça ao Direito do Trabalho. Na prática, ele dilui a responsabilidade do empregador, acaba com a identidade das categorias profissionais e mitiga conquistas e garantias hoje consolidadas, apontando para um caminho em direção ao passado, à escuridão social", escreve, em nota, Paulo Luiz Schmidt, presidente da associação. Ele completa: "Nesta perspectiva é importante que a classe trabalhadora perceba que nem mesmo a mera rejeição do PL 4.330 constitui uma vitória completa, vez que a terceirização que está aí precisa ser combatida, na medida em que agride vários preceitos jurídicos, sobretudo no âmbito do setor público, tendo se apresentando, de fato, como uma espécie de semi-escravidão". O texto foi assinado por 19 dos 27 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho (CSMPT) também enviou moção de repúdio ao projeto. Na moção consta que "a realidade vivenciada pelo MP demonstra que a terceirização é causa direta da precarização das relações de trabalho quanto à remuneração, à supressão de direitos trabalhistas, ao enfraquecimento do sistema sindical e, principalmente, ao elevado índice de acidentes e de adoecimentos", descreve.

Por outro lado, as associações e confederações patronais já emitiram seu apoio ao projeto. O Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão de Obra, Trabalho Temporário, Leitura de Medidores e Entrega de Avisos do Estado de São Paulo (Sindesprestem) emitiu nota contra a rejeição dos ministros do TST. Na redação, o sindicato discorda das afirmações dos ministros. "São graves e infundadas, ainda que pareçam coerentes, as acusações dos ministros do TST que preveem um quadro sombrio para os trabalhadores após a aprovação do PL 4.330, conhecido como Lei de Proteção ao Trabalhador terceirizado (...) Infelizmente não levam em conta a realidade atual do trabalhador terceirizado. E o péssimo ambiente econômico, de insegurança jurídica para empresas e trabalhadores, criado pelo atual conjunto de leis e regras, incluindo a Súmula 331 do próprio TST."

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e a Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores também emitiram notas de apoio ao projeto. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), também em texto divulgado na página da Confederação, "a falta de regras claras para a contratação do trabalho terceirizado traz insegurança para o trabalhador e para a empresa", informam.

*Retirado do EPSJV
**Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 22/09/2013

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