segunda-feira, 14 de abril de 2014

Fiocruz desmente TKCSA em documento enviado ao Ministério Público

10/04/2014
Por Talita Rodrigues

A poluição ambiental causada pela instalação da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), em Santa Cruz, no município do Rio de Janeiro, tem trazido muitos problemas à população local. As denúncias sobre o impacto no meio ambiente e na saúde da população levaram instituições públicas, pesquisadores e movimentos sociais, inclusive a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a acompanhar de perto os processos de licenciamento ambiental e de instalação do complexo siderúrgico, que atualmente funciona com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado com a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), enquanto aguarda a licença de operação. 


Para isso, a TKCSA deveria cumprir, até 15 de abril de 2014, as 134 não conformidades previstas no TAC. No entanto, às vésperas do prazo final, a TKCSA não cumpriu todas as condicionalidades e ainda divulgou uma informação falsa sobre a participação da Fiocruz em uma auditoria de saúde que sequer foi realizada. Em documento (clique aqui para acessá-lo) encaminhado ao Ministério Público do Rio de Janeiro, a Fiocruz desmente a empresa, explicando que não assinou um relatório que a siderúrgica usa como argumento em sua defesa e questionando ainda a validade desse documento como resultado de uma auditoria de saúde. “Querem fazer passar como auditoria de saúde um relatório que nunca se propôs a ser isso e que é limitado. A Fiocruz retirou sua assinatura exatamente por não concordar. Não houve auditoria da saúde. Isso é uma farsa”, explica Marcelo Firpo, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), que integra o Grupo de Trabalho da Fiocruz que acompanha o caso. O material em que consta essa informação foi distribuído pela TKCSA em uma Audiência Pública realizada no dia 27 de março.

O complexo siderúrgico TKCSA é considerado um dos maiores empreendimentos privados do setor produtivo na América Latina, com produção prevista de 5 milhões de toneladas anuais de aço para a exportação. O projeto é fruto de uma parceria entre a ThyssenKrupp Steel, maior produtora de aço da Alemanha e principal acionista, e a mineradora Vale, maior produtora de minério de ferro do mundo.

Segundo dados do Inea, antes mesmo da instalação da TKCSA em Santa Cruz, já havia uma saturação da bacia aérea da região devido aos poluentes industriais emitidos por outras empresas já instaladas no local. De acordo com o relatório ‘Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA’, divulgado pela Fiocruz em 2011, as queixas dos moradores do entorno sobre a poluição causada pela TKCSA, com a emissão de um pó brilhoso prateado, começaram cerca de um mês após o início das operações da siderúrgica, em julho de 2010. A população também relacionava o aumento da poluição na região a diversos problemas de saúde — respiratórios, dermatológicos e oftalmológicos. Junto com isso, a população relatava a precária assistência prestada pelo SUS na região. 

“Esse empreendimento só poderia ser continuado se houvesse um sistema de vigilância para esse caso, o que está longe de ser efetivado. O SUS local não consegue e não deve conseguir acompanhar essa ação no sentido de proteger a saúde da população impactada. Uma licença provisória que deveria ser de três ou quatro meses para avaliação se estendeu por três, quatro anos, com um grande potencial de impacto à saúde da população. A Fiocruz afirma que as emissões atmosféricas dessa siderúrgica podem ser problemáticas para a saúde. Não é correto dizer que esse material particular é atóxico”, diz Firpo.

Além do cumprimento do TAC, a concessão da licença depende da aprovação da Secretaria Estadual de Ambiente e da atuação do MP do Rio de Janeiro. “Estamos na fase final do TAC, e a TKCSA ainda não cumpriu itens ligados às emissões de poluentes, água e efluentes, resíduos, gestão de riscos ambientais e, principalmente, não apresentou a auditoria de saúde”, diz o pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, que também integra o GT da Fiocruz. E completa: “Durante esses nove anos, o que se constata é que a história dessa implantação foi marcada por uma incapacidade técnica-gerencial da TKCSA, gerando poluição atmosférica e trazendo impactos ambientais e à saúde. Esse processo também revela a falta de ações contundentes por parte da Secretaria Estadual de Ambiente para reverter esse processo”.

Durante o trabalho sistemático de acompanhamento do caso TKCSA, foi elaborada uma linha do tempo sobre a implantação dessa siderúrgica no Brasil desde 2004. “O que acontece na TKCSA é um padrão que também acontece na periferia dos centros europeus. Trata-se de um modelo que coloca sobre os trabalhadores e a população mais pobre os custos do desenvolvimento. Uma mostra disso é que a instalação da TKCSA no Brasil estava prevista para se dar em São Luiz (MA), mas quando a forma final do complexo industrial instalado lá deixou de ser interessante para a empresa, ela veio para o Rio, atendendo a um convite do governador do estado. Portanto, essas coisas todas se comunicam”, exemplifica Firpo. E completa: “Uma luta política apenas pontual, localizada, faz com que o capital vá para outro lugar. É o que chamamos de chantagem locacional, como se o capital dissesse que, se uma determinada população não quer os benefícios que ele vai trazer, ele pode ir para outro lugar”

Grupo de Trabalho

Em 2010, a SEA-RJ instalou um GT para avaliar os danos à saúde causados à população em virtude da exposição à fuligem lançada pela TKCSA, mas o trabalho não foi concluído. Segundo Alexandre, a Secretaria apresentou um relatório técnico, que elenca algumas iniciativas próprias. “O documento tem informações apresentadas de forma generalizada, inconclusiva, com graves lacunas e que, inclusive, não consideram os estudos desenvolvidos pela Fiocruz, que atua no caso”, diz ele.

O relatório cita, por exemplo, uma solicitação feita à Fundacentro para a realização de uma auditoria de saúde do trabalhador e saúde ambiental e diz que a auditoria de saúde ambiental não foi realizada porque não está entre as atribuições da Fundacentro. Já o relatório de saúde do trabalhador apresenta falta de informações e mostra o descumprimento pela TKCSA de diversas obrigações da legislação de proteção à saúde do trabalhador, principalmente do Programa de Proteção de Riscos Ambientais (PPRA) e do Programa de Controle Médico da Saúde Ocupacional (PCMSO), mesmo após dois anos de operação. 

No documento, a Fundacentro ainda alega falta de recursos para a continuidade da auditoria e a SEA afirma que apenas parte dos pontos solicitados à Fundacentro foram cumpridos. “Diante desse contexto e da conclusão do relatório da SEA que não apresenta a relação de causalidade entre as condições de saúde da população e as emissões de poluentes da TKCSA, a Fiocruz encaminhou, em janeiro de 2013, um documento ao Ministério Público do Rio de Janeiro e à SEA justificando a retirada da assinatura da Fiocruz no documento”, conta Alexandre. Às vésperas do fim do prazo estabelecido pelo TAC, Marcelo Firpo confirma que não se tem condições de dizer que houve uma mudança real na gestão ambiental da empresa. “No mínimo, podemos afirmar que várias exigências do TAC não foram cumpridas”, conclui.

Durante esse processo de licenciamento ambiental provisório da empresa, houve uma comissão especial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), que produziu um relatório recomendando que, devido às diversas denúncias apresentadas, deveria ser instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso, mas essa comissão não foi criada pela Alerj. “O caso TKCSA é emblemático no Brasil, que envolve a resistência dos moradores e pescadores atingidos pelo empreendimento, a atuação dos movimentos sociais, instituições públicas do Brasil e com repercussão internacional. Diante disso, esperamos que o direito à saúde seja preservado e que a empresa não receba a licença definitiva de operação enquanto não houver uma auditoria de saúde e uma análise de risco em saúde”, conclui Alexandre.


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*Retirado do EPSJV

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