domingo, 21 de outubro de 2012

Pesquisa avalia exposição humana a contaminantes químicos


Publicada em 19/10/2012

Pesquisadora da Universidade de Granada, na Espanha, Carmen Freire Warden atua no campo da epidemiologia ambiental, com experiência nas áreas de avaliação da exposição humana a contaminantes químicos; exposição química ambiental e saúde materno-infantil; exposições ambientais e neurodesenvolvimento infantil; e efeitos à saúde relacionados com exposição a agrotóxicos e substâncias desreguladoras endócrinas.

A experiência na Espanha trouxe a pesquisadora ao Brasil com a finalidade de participar de um projeto de pesquisa na ENSP e atuar como docente colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Saúde e Meio Ambiente da Escola. O estudo aborda os efeitos da exposição a pesticidas organoclorados no desenvolvimento cognitivo e comportamental de crianças moradoras de uma área com elevados níveis ambientais de tais substâncias. A pesquisa baseia-se na hipótese de que a exposição intrauterina, ou durante os primeiros anos de vida, a substâncias neurotóxicas ou com atividade hormonal, como determinados pesticidas, possa vir a ocasionar transtornos relacionados ao neurodesenvolvimento infantil.

Em entrevista ao Informe ENSP, a pesquisadora fala sobre o tema, que é pouco abordado no país, reforça a importância da informação e comenta a situação de Brasil e Espanha no uso de agrotóxicos. 

Confira:


Informe ENSP: Você participa de projetos na Espanha relacionados à exposição aos agrotóxicos e desfechos reprodutivos e efeitos neurocomportamentais em mães e crianças expostas a pesticidas, por exemplo. Como trabalhar com um tema de extrema importância e pouca abrangência no país?

Carmen Freire: Minha graduação foi na área de meio ambiente, mas fiz meu doutorado na área da saúde ambiental, na Universidade de Granada, no Sudeste da Espanha. Foi nesse momento que comecei a trabalhar diretamente com um grupo de pesquisa que avalia os impactos na saúde humana da exposição a contaminantes químicos desreguladores endócrinos. Ao fazer parte desse grupo, comecei a trabalhar em um projeto multicêntrico em toda a Espanha. Ele estuda o impacto de diferentes exposições ambientais, como a poluição do ar, da água, metais e agrotóxicos na saúde materno-infantil. Meu doutorado tinha foco na área do neurodesenvolvimento infantil, nas consequências para o desenvolvimento cognitivo e inteligência de crianças expostas ao mercúrio e outros poluentes, com efeito no desenvolvimento do sistema nervoso.

A partir daí, resolvi sair do meu país para a realização do pós-doutorado. Meu orientador, o professor Nicolas Olea Serrano, conhecia o trabalho desenvolvido pelo pesquisador Sergio Koifman, e solicitei uma bolsa para vir ao Brasil. Aqui, comecei trabalhando com efeitos no sistema nervoso da exposição a agrotóxicos. O projeto que estou desenvolvendo tem o objetivo de verificar se a exposição a pesticidas organoclorados em uma área com elevada contaminação ambiental por essas substâncias tem impacto no desenvolvimento cognitivo e comportamental da população infantil moradora no local. Esse é o principal foco do projeto, cujo título é Avaliação dos efeitos neurocomportamentais em crianças expostas a pesticidas organoclorados residentes em cidade dos meninos, Duque de Caxias, RJ.

Informe ENSP: É possível fazer alguma comparação sobre os níveis de exposição aos agrotóxicos envolvendo Espanha e Brasil? Como o tema é abordado em seu país?

Carmen Freire: Depende muito do local. Na minha região, temos uma área com agricultura intensiva, e por isso tínhamos essa preocupação sobre a relação entre os agrotóxicos e a saúde da população. No Brasil, a exposição a agrotóxicos já é um problema de saúde pública reconhecido, mas não dá para comparar a Espanha com o Brasil por causa da dimensão e magnitude do problema. Aqui, o consumo e a falta de fiscalização do uso de agrotóxicos são bem maiores que no meu país, mas a consciência da sociedade e dos trabalhadores ainda é pequena.

Também é importante reforçar que a expansão do agronegócio é uma política incentivada pelo governo brasileiro, e a dimensão desse problema na Espanha é bem menor. Lá o trabalhador tem maior consciência da importância do uso de equipamentos de proteção. Também estamos um pouco mais avançados em relação à regulação e à fiscalização desses poluentes. Além disso, há uma crescente expansão da agricultura orgânica em toda a Europa, e a Espanha é um dos principais países europeus envolvidos no mercado de produtos orgânicos.

O modelo de desenvolvimento brasileiro é baseado no agronegócio. Portanto, é fator relevante informar ao público, conscientizar, elaborar recomendações de caráter oficial, comunicar às populações que moram em áreas agrícolas, áreas rurais e os grupos particularmente suscetíveis (mulheres em idade fértil, gestantes, população infantil, entre outros) sobre a necessidade de minimizar ou reduzir a exposição a essas substâncias.

Informe ENSP: Em relação às vias de exposição, quais são as principais fontes?

Carmen Freire: Na população geral, a principal via de exposição a agrotóxicos são os alimentos. As pessoas consomem frutas, verduras, legumes, carnes, ovos que apresentam resíduos de agrotóxicos. Além disso, temos a contaminação da água. Na população rural, as formas de exposição são maiores devido, por exemplo, à inalação de ar contaminado, ao consumo de água de poços privados, sem nenhum tipo de fiscalização, fora o contato com roupas do agricultores com poeira contaminada. Numa área agrícola, não é só o trabalhador que está exposto, mas toda a população.

Há um tipo de agrotóxico, os organoclorados, muito persistente no meio ambiente. Toxicologicamente, ele tem a capacidade de alterar a função do sistema endócrino. Uma exposição durante a vida intrauterina ou neonatal, na qual os órgãos e os sistemas biológicos estão se desenvolvendo, pode ter impacto na saúde durante a vida infantil ou adulta do indivíduo. Por isso esses períodos são chamados janelas de suscetibilidade particular.

Informe ENSP: Quais consequências a exposição química durante o período intrauterino pode trazer para toda a vida do indivíduo?

Carmen Freire: Os efeitos à saúde podem ser de vários tipos. É possível que se manifestem na infância, na adolescência ou na vida adulta. O efeito dependerá do tipo de substância química, das condições da exposição (momento, duração etc.) e das características particulares de cada indivíduo. No caso das substâncias desreguladoras endócrinas, os efeitos podem começar com desfechos reprodutivos, como baixo peso ao nascer, prematuridade, e malformações congênitas, entre outros. Distúrbios neurológicos durante a infância ou adolescência, transtornos metabólicos, imunológicos etc. Problemas relacionados com a saúde reprodutiva, como puberdade precoce em meninas ou diminuição da qualidade seminal e câncer de testículo em homens jovens. Todos esses transtornos se relacionam com a função dos hormônios endógenos e podem ser originados durante a gravidez mediante interferências entre substâncias químicas com atividade hormonal e os sistemas biológicos do feto em desenvolvimento.

Crianças que sofrem uma exposição intrauterina a uma substância neurotóxica como o DDT, por exemplo, podem apresentar atrasos em seu desempenho cognitivo ou distúrbios de tipo comportamental na infância ou ainda na adolescência, porque, em ocasiões, esses transtornos precisam de longo período para se manifestar.

Na atualidade, fala-se mais sobre a teoria da origem fetal das doenças, segundo a qual as condições e “vivências” durante o período intrauterino influenciam o metabolismo e fisiologia de um indivíduo por toda a vida. Por exemplo, uma doença como o Parkinson vem sendo relacionada à exposição durante a gravidez ou primeira infância a substâncias neurotóxicas, como determinados agrotóxicos. Mas não é fácil o estudo da possível relação entre uma doença na vida adulta e a exposição fetal ou infantil a substâncias químicas, pois acompanhar uma coorte de indivíduos até, por exemplo, os 80 anos, é complicado. Esse tipo de estudo é praticamente inexistente até hoje. Tentar recuperar informação sobre o histórico de vida de um indivíduo adulto, por exemplo, verificar se seus pais trabalharam na agricultura, onde passou a infância, como foi sua gravidez, para estimar o grau de exposição a determinadas substâncias, também apresenta limitações. Um conjunto de estudos experimentais em animais apoia essa hipótese de estudo, mas as evidências em população humana ainda são escassas.

Informe ENSP: E o aspecto clínico? Os médicos estão preparados para identificar essas formas de exposição a substâncias químicas?

Carmen Freire: Estes conhecimentos têm de ser incorporados aos poucos à prática clínica, pois os médicos ainda não têm a informação/formação necessária para lidar com os problemas de saúde relacionados ao meio ambiente. O objetivo último deve ser a prevenção, ou seja, evitar, minimizar, reduzir a exposição da população a fatores ambientais de risco à saúde. Para conseguir isso, os conhecimentos da saúde ambiental devem ser trasladados também ao âmbito clínico.

No Brasil, diversas pesquisas têm sido desenvolvidas com relação aos efeitos dos agrotóxicos na saúde humana, mas ainda há falta de estudos explorando seus efeitos no neurodesenvolvimento infantil. Vários estudos internacionais, nos EUA e Europa, apontam para esses riscos, mas, aqui no Brasil, essa área tem sido pouco explorada. Precisamos esclarecer que efeitos essa exposição, que tem relacionado extensamente doenças a transtornos de tipo neurológico no adulto, pode ter na população infantil.

As crianças são mais suscetíveis aos efeitos tóxicos dos poluentes ambientais. É uma concentração não perigosa ou daninha para o indivíduo adulto, pode levar a agravos à saúde quando a exposição acontece no período de desenvolvimento do indivíduo. Assim, num país que hoje e o maior consumidor mundial de agrotóxicos, é preciso esclarecer se os níveis atuais de exposição a agrotóxicos na população infantil brasileira – mesmo moradora em áreas rurais ou urbanas – representam risco para a ocorrência de transtornos como baixo rendimento escolar, déficit de atenção, hiperatividade, dificuldade de aprendizagem etc.

Esse tipo de pesquisa, relacionada com exposições ambientais e neurodesenvolvimento infantil, é ainda pioneira no país. Trago minha experiência da Espanha reforçando a necessidade de integrar o conhecimento e experiência de diversas disciplinas, como a toxicologia, ciências do meio ambiente, epidemiologia e a psicologia.

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