quarta-feira, 24 de julho de 2013

Na EPSJV: Programa "Inova SUS" em debate

18/07/2013
Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 24/07/2013

Inova Saúde
Por André Antunes - EPSJV/Fiocruz

Governo busca fomentar a inovação da indústria nacional de medicamentos e equipamentos médicos. Para pesquisadores, programa subsidia modelo de atenção à saúde baseado em planos privados.

Na edição passada, a Poli apresentou uma reportagem sobre o ‘Inova Empresa', programa lançado em março deste ano pelo qual o governo federal pretende injetar, até o final do ano de 2014, R$ 32,9 bilhões no fomento a inovações tecnológicas em empresas de inúmeros setores industriais do país, incentivando "parcerias" entre empresas privadas e os chamados ICTs (Institutos de Ciência e Tecnologia), que incluem as universidades, laboratórios e centros de pesquisa públicos. Entre as sete áreas consideradas estratégicas pelo programa, está o que o governo vem chamando de Complexo Industrial da Saúde, que deverá receber R$ 3,6 bilhões. 

Em abril, foi lançado um dos desdobramentos do programa para a área, o ‘Inova Saúde', para o qual serão destinados R$ 1,9 bilhão. Foram dois editais: um voltado para estimular a inovação nas empresas brasileiras produtoras de medicamentos, farmoquímicos e biofármacos, com um investimento de R$ 1,3 bilhão, sendo R$ 1,1 bi da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), e R$ 200 milhões do Ministério da Saúde (MS); o outro é voltado para as empresas de equipamentos médicos, que vão receber R$ 600 milhões, sendo R$ 275 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o mesmo valor da Finep e mais R$ 50 milhões do MS. 

Em junho, terminou o prazo para que as empresas e ICTs enviassem projetos para concorrer aos recursos: ao todo, 49 empresas e 14 ICTs manifestaram interesse em desenvolver projetos inovadores nas linhas temáticas do edital da área de medicamentos, biofármacos e farmoquímicos. Segundo a Finep, a demanda foi quase três vezes maior do que os recursos disponíveis. Na área de equipamentos, o número de solicitações superou o orçamento do edital, chegando a R$ 1,3 bilhão, com 145 empresas manifestando interesse. O processo de seleção se estende até o final do ano.

Por que inovar

No documento ‘Saúde como desenvolvimento: perspectivas para a atuação do BNDES no Complexo Industrial da Saúde', de 2012, o Banco afirma que a demanda por inovações tecnológicas nas indústrias da saúde instaladas se dá em razão tanto de dinâmicas internas quanto externas ao país. No plano interno, argumenta o BNDES, está a transição epidemiológica e demográfica pela qual passa o Brasil, que o aproxima cada vez mais do perfil dos chamados países desenvolvidos. "As causas de doenças não transmissíveis já respondem por 64% da carga de doença, padrão mais próximo de países desenvolvidos (77%) do que dos países de renda média (47%). Do ponto de vista demográfico, a ONU estima que a população brasileira de idosos deve ultrapassar a de crianças e adolescentes em 2030", afirma o documento. Segundo o BNDES, há uma relação entre essa transição e o aumento dos gastos em saúde, uma vez que as doenças não transmissíveis exigem equipamentos e medicamentos mais caros. Dados elaborados pelo BNDES com base em informações do Banco Mundial dão conta de que, enquanto a renda per capita mundial aumentou 35% entre 1995 e 2009, os gastos per capita com saúde, somando gastos do governo e privados, aumentaram 107%.

No caso brasileiro, outra dinâmica interna que pressiona a demanda por produtos de alta tecnologia na saúde, segundo o BNDES, é a melhoria na distribuição de renda no país na última década. "Assim, observa-se a ascensão da população para as classes mais altas de renda: em 2003, 45% da população brasileira pertencia às classes A, B e C, enquanto em 2009 a proporção se inverteu, com mais de 60% pertencendo ao grupo de renda superior", diz o documento, que afirma que os gastos com saúde representam 8% das despesas de consumo das famílias mais ricas e 5% nas mais pobres. Essas três transições, aponta o BNDES, apontam para uma explosão da demanda por produtos e serviços da saúde nos próximos anos.

De acordo com o banco, o mercado de equipamentos médicos e de medicamentos teve um crescimento de 14% ao ano entre 2003 e 2011, quando movimentou R$ 70 bilhões. A indústria nacional responde por aproximadamente metade do mercado interno, segundo o BNDES, tanto na área de medicamentos quanto na de equipamentos. "A produção nacional em saúde dedica-se em grande parte a etapas de menor valor agregado, como a formulação de medicamentos genéricos de síntese química e a produção de materiais de consumo de uso médico, hospitalar e odontológico", afirma o documento. A necessidade de importação de produtos com maior valor agregado gerou um aumento no déficit da balança comercial do setor, que de US$ 6 bilhões em 2007 saltou para US$ 10 bilhões em 2011. Como aponta o documento do BNDES, "a existência de uma expressiva base industrial e de inovação tecnológica no país apresenta-se como um dos elementos-chave para a redução da vulnerabilidade da política de saúde, contribuindo para viabilizar o maior acesso da população a novos produtos e serviços".

Política industrial X Política de saúde

"A saúde é hoje um mega setor da economia", afirma Maria Angélica dos Santos, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), e completa: "Contando tudo - serviços, indústria farmacêutica e equipamentos -, a saúde representa hoje 13% da geração de renda da economia americana". Ao mesmo tempo, diz ela, o setor é um dos que mais demanda e absorve tecnologia, fruto de transformações que remontam ao final da Segunda Guerra Mundial. "Na década de 1950 começamos a ter um spill-over tecnológico de guerra que precisava ser usado em algum lugar, sendo o exemplo clássico os sonares aplicados aos radares, que são adaptados para fundar a ultrassonografia médica. Hoje a saúde é um setor que absorve muita tecnologia, e isso teve de fato desdobramentos bem úteis para a melhoria da saúde da população. Mas também transformou a saúde em um lócus preferencial de acumulação de capital na sociedade contemporânea", pontua. E, segundo ela, o Brasil é um mercado promissor. "Estamos no foco do mercado mundial: em 2014 seremos o 6° maior mercado mundial de medicamentos, e nos setores de diagnóstico, materiais e equipamentos de saúde estamos acompanhando de perto", explica. "Hoje, portanto, a saúde é foco estratégico das políticas industriais e comerciais brasileiras. É nessa perspectiva de fomento à política industrial que eu situo o Inova Saúde".

O diretor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), Cid Manso Vianna, acredita que o grande problema do programa é a falta de sintonia entre as políticas de saúde e as políticas industriais. "Não está explícito quais problemas o Inova Saúde estaria tentando em princípio resolver. Ele dá ênfase à política industrial sem dizer que tipo de política de saúde estaria fazendo. Não é a política industrial que vai determinar qual a política de saúde, é o contrário: a política de saúde é que deve pautar as demandas e necessidades para, aí sim, verificarmos como o setor industrial pode se adequar a essas necessidades", diz.

Essa também é a visão de Fátima Siliansky, pesquisadora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Iesc/UFRJ). "A produção em saúde não é só virtuosa. Não adianta produzir qualquer coisa, tem que produzir aquilo de que a população necessita. Aí tem que ter o papel do Estado no direcionamento disso. E o que o Estado está fazendo é basicamente dar subsídio para a indústria produzir o que ela quiser", critica. Para ela, é necessário avaliar as reais demandas do sistema de saúde brasileiro. "Dado que o Brasil já tem uma quantidade de aparelhos de alta tecnologia que está quase no nível de França e Inglaterra, para que vai fabricar mais aqui? E se você for ver, a oferta [desses aparelhos] que é feita pelos planos de saúde e pelo SUS, é completamente díspare: sobra capacidade instalada de equipamentos voltada ao setor privado e falta no SUS", aponta Fátima.

De fato, os dados da pesquisa de Assistência Médico-Sanitária (AMS) do Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística (IBGE), de 2009, demonstram essa discrepância. Segundo a AMS, dos 63.699 equipamentos de diagnóstico por imagem - como mamógrafos, aparelhos de raios-X, tomógrafos computadorizados, aparelhos de ressonância magnética e de ultrassom - existentes em estabelecimentos de saúde naquele ano, apenas 25.616 estavam disponíveis para o SUS. Ou seja, 150 milhões de pessoas que são atendidas somente pelo SUS, 75% da população brasileira, tinham à sua disposição apenas 40% do total de equipamentos de diagnóstico por imagem disponíveis.

Além disso, a concentração dos equipamentos na rede privada gera uma distorção que faz com que as regiões mais ricas fiquem com a maior parte dos aparelhos. Veja-se o número de eletrocardiógrafos, por exemplo: de acordo com a AMS, em 2009, enquanto na região Sudeste havia 18 aparelhos para cada 100 mil habitantes, a região Norte tinha seis. Equipamentos para hemodiálise somavam 12 para cada 100 mil habitantes no Sudeste, pouco menos da metade disso na região Nordeste e menos de quatro para cada 100 mil no Norte. Por fim, enquanto a região Sul possuía mais de 12 aparelhos de ultrassom para cada 100 mil habitantes, na região Nordeste esse número caía para oito, e para seis na região Norte.

Em muitos casos, o número de equipamentos supera em muito os parâmetros mínimos estabelecidos pelo Ministério da Saúde por meio da portaria 1.101/GM, de 2002. A portaria estabelece, por exemplo, que o número de mamógrafos deve atender à proporção de 4,2 unidades para cada 1 milhão de habitantes. Em 2009, o número de mamógrafos no sistema de saúde brasileiro, somadas as redes pública e privada, era mais de cinco vezes maior do que isso: 21,8 unidades para cada milhão de habitantes. Os aparelhos de ultrassom, por sua vez, superavam as 100 unidades para cada 1 milhão de habitantes, mais do que o dobro do estabelecido pela portaria, 40 unidades por milhão de habitantes.

Manutenção: falta de profissionais

Alexandre Moreno, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que atua nos cursos da área de Manutenção de Equipamentos de Saúde, aponta outra questão que, segundo ele, vem sendo negligenciada nas políticas públicas. "Não adianta só fabricar, tem que saber quem vai manter esses equipamentos". Segundo ele, no SUS, não existem mais profissionais voltados para a manutenção de equipamentos, que é toda terceirizada para empresas privadas. "E mesmo para as empresas privadas está difícil encontrar profissionais, são poucos os cursos de formação. Só se investe no fabricante, que aumenta a tecnologia, produz mais, mas não tem quem conserte. Quando quebra, joga fora e compra outro. Para o fabricante, está ótimo", diz. Segundo ele, hoje, principalmente na área de alta tecnologia, a manutenção é toda feita pelas empresas fabricantes, por meio de contratos de manutenção. "Esses equipamentos de alta tecnologia são uma caixa-preta, você não consegue manuais técnicos. Mesmo que você tenha um engenheiro altamente capacitado, ele não consegue consertar os equipamentos porque a manutenção é feita por meio de um software que detecta tudo, diz até onde está com defeito, mas precisa de um programa chave que só a empresa tem", explica, complementando: "O governo deveria exigir como contrapartida do Inova Saúde que os fabricantes promovessem cursos de capacitação para profissionais. Mas isso é mexer num vespeiro, porque os fabricantes perderiam o controle sobre a tecnologia".

Inovar para o setor privado

"Tudo isso acaba encarecendo o sistema", diz Fátima Siliansky, para quem o Inova Saúde é uma aposta num modelo de atenção que segue a linha dos planos de saúde privados, com grande consumo de equipamentos de alta tecnologia e medicamentos. "Não se racionalizam os gastos e só se estimula uma superprodução de serviços que não têm uma correspondência no impacto da saúde da população", critica.

O próprio BNDES afirma, no documento ‘Equipamentos e tecnologias para a saúde: oportunidades para uma inserção competitiva da indústria brasileira', lançado em março deste ano, que o crescimento da demanda por esses produtos está ligado ao aumento e à melhor distribuição da renda no país, que "proporcionaram um crescimento acelerado da adesão aos planos de saúde na última década". E o texto deixa clara a relação: "A dinâmica das operadoras de saúde privadas tem impacto significativo no mercado de equipamentos médicos, em particular na demanda por produtos inovadores". Maria Angélica questiona: "Estamos investindo em inovação que talvez nem chegue à população atendida pelo SUS. Por que não é o SUS o foco da captação de tecnologia, de implantação de tecnologia, de inovação? Só centrando a inovação no SUS poderemos garantir equidade no acesso à tecnologia"

A revista Poli tentou agendar uma entrevista com o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, para falar sobre o Inova Saúde, mas não obteve retorno de sua assessoria.

Imperialismo tecnológico

Soma-se a tudo isso o movimento recente de entrada de multinacionais do setor no país, atraídas pelo potencial de crescimento desse mercado. Na área de equipamentos, por exemplo, destaca-se a aquisição das empresas Dixtal, VMI, Tecso Informática e Wheb Sistemas pela holandesa Phillips, que em 2010 era a 8ª no ranking das maiores empresas do setor, e da XPro pela General Electric, 5ª maior do mundo no mesmo ano, segundo o documento do BNDES. 

Esse movimento se dá também na indústria farmacêutica:em 2010, o grupo francês Sanofi-Aventis comprou a brasileira Medley e em 2011, a americana Pfizer, líder do ranking das maiores do mundo, adquiriu 40% do laboratório nacional Teuto. "Por conta dessa política de estímulo à produção interna, o governo está implementando uma série de incentivos fiscais como, por exemplo, a redução do IPI para bens que comprovem utilização de tecnologia nacional. Existem programas de financiamento do BNDES para compra de equipamentos e, mais recentemente, as desonerações tributárias feitas pela [presidente] Dilma, que incluem a indústria de equipamentos biomédicos produzidos internamente", enumera Fátima, completando: "Todos esses incentivos devem estar sendo bem quistos, porque as empresas multinacionais resolveram instalar plantas industriais no Brasil recentemente". Ela tem dúvidas se esse modelo pode servir para reduzir os gastos com saúde. "Pode ser que barateie para a empresa, mas para o país nem tanto, porque se deixa de recolher uma série de impostos. É um subsídio para a montagem e o desenvolvimento do mercado privado", pondera. Segundo ela, o Inova Saúde vem ao encontro do modelo atual de desenvolvimento brasileiro, que está sendo chamado de neodesenvolvimentista. "É um modelo de industrialização associado ao capital internacional que não é pautado pela capacidade de consumo interna", explica.

Para o BNDES, o movimento de consolidação das grandes multinacionais do setor, que se reflete no Brasil com as aquisições de empresas nacionais, é positivo, ao ampliar "a importância do país nas estratégias globais dessas companhias". Segundo o banco, motivadas por uma necessidade de redução de custos, as empresas do setor vêm passando por um processo de reorganização das atividades produtivas, inclusive da pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos, por meio da aquisição de "pequenas e médias empresas detentoras de ativos estratégicos, como produtos e plataformas tecnológicas inovadoras"

"Há grande chance de os recursos destinados ao Inova Saúde acabarem em mãos das transnacionais do setor, porque são suas subsidiárias que de fato fazem pesquisa e desenvolvimento no país", afirma José Ruben Bonfim, coordenador-executivo da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime). Para Fátima Siliansky, o estímulo do Inova Saúde às "parcerias" entre empresas e centros de pesquisa nacionais se insere nessa dinâmica de redução de custos dessas empresas. "Isso barateia a pesquisa deles, é mais barato usar o potencial dos nossos pesquisadores e da nossa infraestrutura, pagos pelo governo. E esse potencial é aproveitado para desenvolver tecnologia que é apropriada por eles. É um imperialismo tecnológico".

Como lembra Maria Angélica Borges, o modelo de associação entre indústria e academia é comum em países como os Estados Unidos, mas a relação entre negócios e ciência tem levantado questionamentos éticos importantes. É o que aponta o relatório ‘Science and the Corporate Agenda' (‘Ciência e a agenda corporativa', em português), produzido pelos pesquisadores Chris Langley e Stuart Parkinson, da ONG britânica Scientists for Global Responsibility (em português, ‘Cientistas pela Responsabilidade Global'). Segundo o relatório, são cada vez mais comuns casos de testes clínicos financiados pela indústria farmacêutica cujo resultado distorce as características dos medicamentos analisados, tanto para corroborar seus efeitos positivos quanto para mascarar os negativos. "Os resultados desses testes clínicos são frequentemente considerados propriedade das empresas, que analisam e publicam os resultados de formas cuidadosamente escolhidas. Há um número crescente de evidências que mostram que o apoio de empresas farmacêuticas pode afetar negativamente perspectivas e práticas de pesquisa", completa o relatório. O documento cita o exemplo do antidepressivo Paxil, produzido pelo laboratório GlaxoSmithKline e usado no tratamento de adolescentes nos Estados Unidos. Em 2006, a empresa alertou que o produto estava associado a um aumento de comportamentos suicidas nos pacientes aos quais ele era prescrito. "No entanto, documentos divulgados durante um processo judicial contra a empresa revelaram que alguns dados que indicavam um alto risco da ocorrência desse problema já estavam disponíveis internamente desde 1989", revela o relatório.

O documento também aponta que pesquisadores britânicos têm identificado uma relação entre o aumento do consumo de antidepressivos e a influência da indústria sobre a prática médica. Segundo uma pesquisa citada no documento, o consumo desses medicamentos cresceu 253% entre 1993 e 2003. Entre 2000 e 2002, cresceu 68% o número de crianças sendo tratadas com drogas "para acalmar ou estimular o cérebro". E as pesquisas indicam que a prática de receitar esse tipo de medicamentos entre os médicos era fortemente influenciada, entre outros fatores, pelo envolvimento da indústria na formação desses profissionais e pela interação cada vez maior entre as empresas e os médicos.

Para Maria Angélica, o crescimento da influência da indústria no meio científico concorre para um processo de legitimação de uma concepção de saúde muito pautada pelas demandas da indústria. Sua crescente influência na definição de políticas de saúde tem levado a um movimento que alguns pesquisadores chamam de "medicalização social". "A indústria cria demandas. Tanto que a indústria agora não é da saúde, é da saúde e bem-estar. Por exemplo, a pessoa é tímida. Aí você diz que ela tem uma síndrome de transtorno antissocial e cria um remédio pra isso", diz. Em seu relatório, a Scientists for Global Responsibility argumenta que essa tem sido uma tendência da indústria farmacêutica na última década. "Companhias farmacêuticas começaram a ‘expandir' ativamente a definição de doenças humanas e assim garantir mercados para os quais seus setores de pesquisa e desenvolvimento podem projetar e desenvolver produtos adequados", aponta o relatório, que afirma que um dos mecanismos pelos quais as empresas vêm agindo nesse sentido são campanhas de marketing com mensagens de "conscientização" sobre doenças, "criadas para estabelecer ou expandir um nicho para novas drogas". Um exemplo citado no relatório envolve o chamado Transtorno de Ansiedade Social. Segundo o texto, pesquisas financiadas por empresas privadas começaram a apontar que a doença era mais comum do que antes se imaginava. Ao mesmo tempo, a empresa então chamada SmithKline contratou psiquiatras acadêmicos que encontraram pacientes dispostos a falar sobre a doença na mídia, e alguns meses depois, a empresa lançou campanhas publicitárias do remédio Paxil (o mesmo que depois seria associado a um aumento na ocorrência de comportamentos suicidas) para ser usado no tratamento do transtorno, atingindo um recorde de vendas.

Como aponta Fátima Siliansky, o financiamento de pesquisas e congressos por empresas do setor age na legitimação desse modelo entre os profissionais da medicina. "A própria clínica médica vai se adaptando a um padrão de práticas que se dá de acordo com os interesses dessa indústria e isso é muito claro. Hoje é muito mais fácil você marcar um exame de alta tecnologia de imagem do que marcar um raio-x, por exemplo". Para Maria Angélica, da maneira como foi concebido, o Inova Saúde acaba favorecendo essa lógica. "A dinâmica da inovação é capitalista, não é um discurso do SUS. Quando se fala em inovação sem definir bem qual é a inovação que você quer, diz que qualquer tecnologia vale a pena. Não é verdade: excesso de tecnologia mal aplicada gera novos gastos e, pior, gera sofrimento para as pessoas. Estamos transformando tecnologia em ponto de partida de uma discussão que não era para ser sobre tecnologia, como se ela fosse a panaceia da saúde. Ela é essencial, tivemos enormes ganhos com ela, mas o problema é como estamos construindo negócios e, quem sabe, distorcendo princípios e valores em nome da tecnologia".

*Retirado do EPSJV
**Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 24/07/2013

2 comentários:

  1. vocês já devem conhecer mas como não houve citação, vou fazê-la: há um livro interessante da Dra.Marcia Angell. ex-diretora do New England Journal of Medicine e atualmente integrante do Departamento de medicina Social da Harvard medical School, A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, da Editora Record (2007) .

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá caro(a),
      Agradecemos por prestigiar o blog e por esse toque.
      Realmente, esse livro na atualidade tem sido muito importante para esse tipo de discussão, uma importante lembrança de sua parte.
      Fica a dica para nós como organização e para todos(as) leitores(as) do blog!
      Um abraço.

      Excluir