segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Luta de professora homoafetiva faz UFRJ reconhecer os direitos de sua companheira


Jornal da Adufrj - edição 786 - 04/02/2013

Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 04/02/2013

Nem mais, nem menos: direitos iguais

Com auxílio da assessoria jurídica da Adufrj-SSind, professora aposentada consegue, da UFRJ, o reconhecimento da relação com sua companheira.

Decisão administrativa foi publicada em outubro do ano passado.

Por Elisa Monteiro

Prof. Naumi com Ângela à sua direita (Foto: Adufrj)
Naumi Vasconcellos, professora aposentada do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conheceu Ângela Vasconcelos em 1973. Os quarenta anos de relação precisaram ser arduamente comprovados para que as duas obtivessem acesso a direitos corriqueiramente concedidos pela universidade a casais heterossexuais. Desde 2010, Naumi pleiteava junto à instituição o reconhecimento de sua companheira como dependente.

Depois de uma primeira negativa, a professora recorreu da decisão com o auxílio da assessoria jurídica da Adufrj-SSind. Naumi recebeu, no final de 2012, a notícia de que a universidade voltara atrás e admitia o vínculo familiar. Agora, ela aguarda uma nova vitória, na Justiça Federal. “[Mesmo após o reconhecimento na Ufrj] Nós preferimos manter a ação  porque uma decisão judicial nos respalda para outras situações similares. Caso mude a gestão e a reitoria tenha outra linha, ficamos mais protegidos”, explica Ana Luisa, advogada da seção sindical. 

De acordo com Roberto Gambine, pró-reitor de Pessoal (PR-4), a administração central acolhe todos os pedidos relacionados ao reconhecimento de direitos de uniões homoafetivas. “Tivemos alguns processos acumulados, aguardando a decisão do Supremo que, sabíamos, estava na eminência de sair, para liberar pareceres favoráveis”, justifica. Destacou ainda que “a UFRJ foi a primeira a reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo”.

Apesar da declaração do pró-reitor, o que Naumi relata é uma pequena via crucis frente à burocracia da casa. Há cerca de três anos, a UFRJ indeferiu o solicitação do casal. Alegava ausência de previsão legal para o caso, “muito embora o relator do processo, à época, tenha registrado ser pessoalmente favorável ao pedido”, lembra Naumi. Para recorrer, a professora enfrentou uma longa lista de documentos comprobatórios: “Juntamos muitas coisas, até mesmo levamos um retrato muito antigo, nos beijando ainda bem novinhas”, conta.

Além disso, o casal enfrentou dificuldades com a tramitação do processo: “Houve muita delonga”, avalia. “Cada vez que voltávamos, era uma coisa diferente. E nunca se dizia tudo necessário de uma vez, era sempre ‘pingadinho’: uma xerox de CPF num dia, uma declaração registrada em cartório na outra vez e por aí vai... Estive várias vezes naquela salinha do oitavo andar”, narra a professora aposentada, que no mês de abril completa oitenta anos.

Preconceito

“Foi tudo muito confuso”, avalia Ângela (de 64 anos). As duas dizem crer que não houve discriminação deliberada por parte da administração. Porém, não descartam que o preconceito tenha influenciado negativamente o processo: “Disseram que entrariam em contato, que ligariam avisando, assim que tivessem uma resposta. Mas eu recebi, no final de novembro, uma carta, com data de uns dois meses antes”, observa Naumi. “Às vezes a pessoa nem é mandada, mas por simples preconceito acaba criando dificuldade”, completa a professora, cujas áreas de formação e de pesquisa em Psicologia, no Brasil e na Bélgica, estão relacionadas a comportamento sexual. O tema lhe rendeu três livros. 

Violência

Perguntada se a situação para indivíduos homoafetivos, no país, está melhor hoje, Naumi avaliou que “melhorou de um lado e piorou de outro”. Como exemplo, destacou que, embora o Brasil possa ser considerado avançado em marcos legais, é também “vanguarda em assassinato de homossexuais”, ironiza. 

Ângela festeja a decisão da universidade: “Mais do que mil teses sobre o preconceito, com esse passo a universidade cumpre seu papel humanista e de quem está a frente”.

Desencontros

A decisão da reitoria favorável a Naumi, designando a companheira da servidora como sua dependente, foi publicada no Boletim da UFRJ em 18 de outubro de 2012. Mas ela e sua procuradora legal só tomaram conhecimento de que a universidade havia reavaliado o processo no dia 30 de novembro. No início de dezembro, foi realizada audiência na Justiça federal, a pedido dos procuradores da universidade, para que fossem ouvidas testemunhas sobre a veracidade da união de Naumi e Ângela.

“No dia da audiência, informamos ao juiz a decisão administrativa da UFRJ, mas o advogado da universidade disse não reconhecer o documento e pediu prazo para manifestação. Aguardamos a decisão do juiz”, relata Ana Luisa. Para a advogada, o fato de as procuradorias das instituições não contarem com quadros de carreira atrapalha: “Eles não conhecem a realidade da instituição”, critica.

Ainda de acordo com a advogada da seção sindical, atualmente a entidade também cuida de outro processo similar, de um docente e seu companheiro. Neste caso, até agora o resultado é inverso, com decisão favorável no Tribunal Regional Federal e aguardando definição administrativa.

STF reconheceu união em maio de 2011

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pelo reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo em 5 de maio de 2011. À época, o ministro Ayres Britto retomou o artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal, que veda qualquer discriminação em virtude de raça, cor, sexo (ou preferência sexual) para afastar qualquer interpretação do Código Civil que impedisse o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação (sic) jurídica”, disse na ocasião. Os demais ministros acompanharam seu entendimento sobre a questão.

*Retirado da Adufrj
**Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 04/02/2013


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